sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Via-sacra expressionista


Cenas religiosas estão entre as mais representadas da história da arte. Por isso, Glênio Bianchetti nunca teve a pretensão de fazer uma Via-sacra cheia de novidades. "Não tem nada de novo", assume o pintor. Mas também não há repetições. Os 14 passos de Cristo até a cruz constituem cenas fechadas e situações específicas. Nas escolas de pintura dos séculos 16 e 17 eram retratadas com extrema dramaticidade. Muito sangue e sofrimento físico sobressaíam em pinturas que Bianchetti identifica como "ópera italiana". O pintor gaúcho radicado em Brasília fugiu desses contornos em sua Via-sacra apresentada a partir de hoje na Caixa Cultural. "Queria fazer uma coisa mais humana. Procurei focar a solidão, sem sangue nem violência", avisa. "A via-sacra é uma história em quadrinhos sobre a vida de Cristo".
O conjunto de 14 cenas e o tríptico com Santa Teresa d´Ávila ao centro começou a ganhar as telas há seis meses, quando Bianchetti aceitou o convite da prefeitura de Bagé (RS) para criar uma via-sacra destinada à Capela Santa Teresa d´Ávila, no centro histórico da vila de mesmo nome, localizada nos arredores da cidade. Escolheu o branco das roupas de Cristo como elemento norteador da composição e manteve o traço expressionista que marca sua pintura. O brilho esbranquiçado da túnica do pregador divide espaço com tons fechados de azul e verde e conduz o olhar do espectador por todas as cenas. Para ressaltar a solidão do personagem, Bianchetti inseriu elementos simbólicos como o cachorro que acompanha o Cristo quando seus amigos já não estão presentes. "Cristo entrou nessa sabendo que ia morrer. Precisava morrer para que sua pregação tivesse continuidade. É uma fatalidade que ele encarou sozinho", interpreta.
Como a igreja construída no século 19 e inteiramente restaurada pelo projeto Uma Charqueada. Um Patrimônio. Uma História leva o nome de Teresa d´Ávila, o artista decidiu centralizar a figura da santa no tríptico que ocupará a parede atrás do altar. A tela de 3,20 X 2m apresenta uma Teresa letrada, com pena na mão e papel sobre a mesa, mas com o olhar elevado aos céus. A devoção e o intelecto guiaram a composição do artista. "Ela era uma intelectual da época. Pesquisei e li muito sobre Santa Teresa. A poesia dela é muito bonita".
O artista nascido em Bagé há 80 anos aceitou a encomenda como forma de agradecimento. Fundador, em 1951, do Clube da Gravura de Bagé ao lado de Glauco Rodrigues e Carlos Scliar, Bianchetti deixou o interior do Rio Grande do Sul para integrar o primeiro corpo docente do Instituto de Artes da Universidade de Brasília (UnB). "Mas eu sou muito paparicado por lá", brinca. A temática religiosa não é inédita na trajetória artística de Bianchetti, apesar de não ser um tema comum. Grande parte da obra do artista trata de cenas do cotidiano e muitas delas são voltadas para manifestações populares. Mas algumas tentações já perpassaram o caminho do gaúcho. Uma vez, pintou um Lázaro ressuscitado. Outra, uma anunciação. Cenas clássicas na história da pintura, assim como a Pietá incluída na Via-sacra. "Mas a pintura religiosa é difícil, o Renascimento oprime a gente porque tudo já foi contado. A gente precisa olhar de todos os ângulos para tentar encontrar um que não foi contado."

GLÊNIO BIANCHETTI - IMAGENS SACRAS

Abertura hoje dia 20/11/2008, às 19h, na Caixa Cultural (SBS Q. 4, Lt. 3/4, térreo, anexo do edifício matriz da Caixa). Visitação até 21 de setembro, de terça a domingo, das 9h às 22h.

Nahima Maciel da equipe do Correio


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